Eu não sou exatamente uma gamer no sentido de jogar videogames o tempo todo, mas eu sempre fui apaixonada por jogos. Eu acho que existem muitos paralelos entre videogames e a vida real.

Em um videogame, conforme seu personagem avança no jogo e você evolui suas stats e ganha mais “dinheiro”, você é capaz de desbloquear novo equipamento, habilidades melhores e viajar para partes mais interessantes e empolgantes do mapa do jogo. A vida funciona mais ou menos da mesma forma, conforme você desenvolve habilidades e investe no seu desenvolvimento pessoal algumas oportunidades começam a se abrir. Toda a nossa sociedade parece funcionar em uma hierarquia por competência. As pessoas que conseguem mais atenção, mais dinheiro e mais oportunidades tendem a ser muito boas em algo (nem sempre, mas tende a ser dessa maneira).

Porém, ao contrário do que acontece nos videogames, evoluir suas habilidades é mais difícil e leva muito mais tempo na vida real. Por isso muita gente tende a não fazer isso, quase todo mundo sabe o que fazer para ser bem-sucedido em certo nível, mas o processo é tão difícil que nós costumamos nos deixar distrair com TV, redes sociais e videogames.

Eu acredito que ser produtivo não precisa ser um “trabalho”, pode ser bem divertido e foi por isso que eu transformei a minha vida em um videogame. E agora eu quero te contar como.

Começar um novo jogo?

Nós nascemos em um mundo com milhões de caminhos complexos e infinitas escolhas. Seja bem-vindo a VIDA GAMIFICADA.

Episódio 1: Tutorial

Você é um jogador no jogo no qual nós vivemos, cada player tem stats.

STATS: informação em dados que representa um aspecto em particular do jogador (força, vitalidade, agilidade, sorte, etc.)

A tabela de stats de cada jogador é diferente, no início do jogo nós não temos muito controle de como alocar nossas stats e geralmente estamos sob três grandes influências: Nossos pais (família), O ambiente onde vivemos e os itens usados no nosso desenvolvimento. Alguns jogadores têm disponíveis na fase de tutorial ótimos pais que elevaram seu nível de maternidade/paternidade ao máximo para proporcionar a melhor experiência ao jogador, mas outros não tiveram essa sorte. Somos designados para diferentes ambientes que podem potencializar ou suprimir potenciais de aprendizado diferentes. E, finalmente, nós recebemos diferente itens dos nossos pais que mudam nosso desenvolvimento, itens que incluem um caderno, um videogame ou um brinquedo.

No final, cada jogador é diferente devido aos diferentes caminhos que seguiram durante a fase de tutorial. E isso, por sua vez, é refletido na sua tabela de stats. Agora que você está jogando para valer existem muitas questões a serem respondidas:

  • Como vencer o jogo?
  • Como vencer de forma épica?
  • O que é uma vitória épica?
  • Qual o próximo desafio?
  • Como estão minhas stats (habilidades)?

Episódio 2: História de origem

Okay! Antes de te contar como eu transformei a minha vida em um videogame e mais importante, como você pode transformar a sua vida em um jogo também, eu preciso contar como cheguei até aqui.

Eu tinha começado a me sentir meio depressiva e minha ansiedade social estava em níveis que estavam  me assustando. Eu não tinha nenhum senso de direção. O que mais eu podia querer? Eu não estava em uma situação financeira difícil, eu estava prestes a me formar em engenharia (com honras), eu tinha tempo para fazer as coisas que eu gostava de fazer e estava, de forma geral, em um bom lugar na vida. Eu estava aproveitando minha humilde existência trabalhando meio período (o que era suficiente para mim).

Porém, se eu tiver que ser muito honesta, “crescer” não estava sendo tão divertido quando nós costumamos achar quando ainda somos crianças/adolescentes. Minha infância foi muito boa e meu tempo na universidade parecia um playground de possibilidades. De repente, o futuro era agora! Qual seria meu próximo desafio? Como eu poderia sair de Okay para Épico? E cadê o hoverboard que de volta para o futuro me prometeu?

Eu estava sentada sozinha na minha cama. Tinha uma pilha de livros na minha mesa e o meu celular estava gritando na minha direção com o peso da minha lista de tarefas para fazer, mas eu honestamente preferia estar jogando Magic The Gathering. Entretanto, eu troquei de aplicativo no meu iPad e comecei a escrever em um caderno digital.

Eu decidi começar de onde eu estava (o que ainda é o melhor conselho de autoajuda que eu já escutei) e comecei a listar tudo o que tinha na minha cabeça. Eu escrevi absolutamente todo pensamento aleatório que apareceu naquele momento até não ter mais nada flutuando ao redor do meu cérebro. Quando eu terminei eu estava completamente sobrecarregada por tudo que eu tinha para fazer e a vontade de jogar Magic voltou com força. Foi aí que muito das minhas aventuras aprendendo sobre produtividade online começaram a se manifestar do fundo das minhas bases de conhecimento adquirido. Lembrei de todas as lições sobre distrações e como eliminá-las. Um pensamento em particular chamou minha atenção:

Designers de jogos são especialistas em tornas as coisas divertidas e te manter engajado ao ponto de ser viciante. E SE EU CONSEGUISSE TIRAR ESSAS MESMAS IDEIAS PARA ME VICIAR NA MINHA PRÓPRIA VIDA?

Talvez eu pudesse me re-engajar e ficar pelo menos mais 10% envolvida no “jogo”, eu poderia conseguir um pouco de momento e clareza (o suficiente para remover o medo e a desmotivação).

Na realidade, meu quest já tinha começado anos atrás. Eu sempre fui interessada em jogos, tanto em jogar como em criá-los. Quando eu ainda era pequena eu fazia cartas e inventava regras para jogar com elas, mas eu nunca tinha considerado trazer essas ideias para o mundo real. Eu também já era apaixonada pelo conceito de gamificação na época e decidi usar isso para tomar controle da situação.

 Episódio 3: Gamificação da vida

Gamificação se refere a aplicação de elementos e dinâmica de jogos em ambientes não relacionados a jogos para criar experiências com mais engajamento. A gamificação funciona tocando nos motores motivacionais do comportamento humano por meio do uso de reforços (positivos e negativos) e emoções. Esses reforços podem ser intrínsecos (diversão) ou extrínsecos (dinheiro e prêmios).

Papéis em uma experiência gamificada

Existem quatro papéis básicos dentro de uma experiência gamificada:

  • Designer: são os desenvolvedores, gerenciadores e tomas as decisões dentro da experiência gamificada;
  • Player: os jogadores são aqueles que competem e vivenciam a experiência gamificada;
  • Espectadores: não competem no jogo, mas sua presença influencia a forma com a qual a experiência se desenrola;
  • Observadores: são indivíduos externos que absorvem passivamente a experiência.

Escopo da experiência gamificada (MDE)

  • Mecânica: decisões feitas para especificar os objetivos, regras e tudo relacionado a como o jogo funciona;
  • Dinâmica: descreve o comportamento que emerge dos jogadores. É possível trabalhar com competição, cooperação, trapaça e muito mais. O desafio é antecipar os tipos de comportamento e desenvolver a mecânica do jogo de acordo;
  • Emoções: decidem os estados e reações invocadas quando um jogador está experimentando o jogo. O ideal é que seja direcionada para a diversão e que seja apelativa para que o jogador continue querendo jogar.

O meu desafio depois de entender tudo isso e estar super empolgada para criar o meu próprio “jogo da vida” é que eu sou ao mesmo tempo designer e player no jogo, então é preciso um pouco de disciplina para não trapacear. Eu fico constantemente me lembrando que se eu trapacear estarei trapaceando a mim mesma.

Eu explico mais sobre gamificação nesse vídeo do meu canal:

Episódio 4: Desenhando o jogo

O meu primeiro “protótipo” foi escrito de uma só vez. Eu pensei sobre tudo que eu queria no jogo e tentei dividir em algo tangível que eu pudesse controlar e medir. Surpreendentemente, quase sempre é possível de quebrar sonhos ridículos em ações reais.

É sério, eu mergulhei full nerd nesse projeto de tarde. A primeira coisa que eu fiz foi um mapa mental ilustrado do que eu queria com esse sistema.

Eu acabei chegando a uma definição de “mundo” onde cada mapa representava uma área da minha vida;

  1. Starland: pessoal e casa;
  2. Districts: família, amigos e social;
  3. Mystique Isles: romance;
  4. Forest of Valor: saúde e fitness;
  5. Golden Vales: carreira e finanças;
  6. Codex Labyrinth: educação e desenvolvimento;
  7. Celestial Oracle: espiritual e voluntariado;
  8. Terminus: aventura e diversão.

O próximo passo foi identificar quais quests eu teria que cumprir. Cada quest é um objetivo ou um projeto. Eu sendo eu, é claro que coloquei nomes gamificados como por exemplo:

  • Atualizar website → Potal Update
  • Aprender modelagem 3D → Explorar a terceira dimensão
  • Investimentos periódicos → Montanhas de ouro

Eu gosto de trabalhar com poucos objetivos por vez, então separei os que ficariam ativos e os que ficariam em espera. Para cada quest na minha lista eu defini qual o boss (chefão) que eu poderia enfrentar enquanto estivesse tentando cumprir o quest. Os chefões eram coisas do tipo preguiça, perfeccionismo, ansiedade… Isso me ajudou a definir quais os desafios que eu teria em cumprir cada objetivo, o que eu chamei de ataques (as situações nas quais eu enfrentava esses bosses). A partir desse ponto eu defini os meus contra-ataques (quais as minhas estratégias para não sofrer dano desses bosses). Tudo isso me ajuda até hoje a me manter consciente de que SIM, eu terei dificuldades internas e problemas meus para superar, mas de que eu tenho as ferramentas para superar esses problemas.

Em desenhar o jogo eu defini quantos pontos eu ganharia ou perderia por cumprir ou não uma tarefa, quanto de ouro eu conseguiria e como eu poderia usar esse ouro dentro do jogo.

Com todo esse sistema pronto eu só estava sentindo a necessidade de automatizar esse processo todo para ter a sensação de realmente estar dentro de um videogame.

Episódio 5: O jogo

Eu já estava usando uma ferramenta muito incrível para me organizar: o Notion. Como essa ferramenta me possibilita trabalhar com banco de dados e customizar páginas, eu consegui desenvolver um jogo dentro dela onde os pontos são calculados automaticamente dentro das tabelas.

É muita coisa para explicar aqui mas eu tenho um vídeo completo no YouTube mostrando como eu fiz isso e um template gratuito em Notion para você gamificar a sua vida também.

Continua…

Essa é uma longa jornada e muita coisa já aconteceu desde que eu comecei a usar gamificação no meu sistema de produtividade. Inclusive, minha adição mais recente ao meu jogo foi criar um aplicativo pessoal próprio. E essa jornada você pode acompanhar nessa playlist de vídeos: